A relação entre controle e produtividade | Marina Vaz

Confesso que eu entendo a necessidade que as empresas tem de ter controles mais rígidos sobre a base da pirâmide delas. Se uma pessoa sai da linha de produção de um produto, a capacidade dessa linha diminui, e basicamente todas as planilhas daquela empresa contam com essa entrega e com pouca margem para manobra.  

Exemplo do Mc Donald’s: a linha de produção

Exemplo fictício: Mc Donald’s. Se uma pessoa que está responsável pela montagem dos sanduíches sai por qualquer motivo, a velocidade com que os sanduíches saem, diminui. As filas aumentam. Os clientes ficam impacientes. Se nessa fila tem uma criança esperando Mc Lanche Feliz, esse pai certamente está olhando para cima e orando.  

Em escala, se todas as pessoas da linha de produção decidem parar quando querem, ó céus! O gerente pira. A lanchonete é esvaziada. Bombam reclamações nas redes sociais. As reclamações viralizam. E aí, quando os meios de comunicação baterem na porta da RP do Mc Donald’s para pegar uma declaração, aí, só aí, a diretoria olha. Só quando chega na diretoria, quem tem poder de decisão para resolver o problema, pode resolver o problema. Até lá, muitos clientes foram perdidos, muitos funcionários pediram demissão ou foram demitidos, muitos danos foram feitos à imagem daquela marca.

E fora da linha de produção…

Em paralelo, se a diretoria para uns dias para viajar com a família, faz um almoço longo, chega mais tarde, decide fazer home office, isso tem zero impacto linha de produção. Eles normalmente ficam no monte Sinai, bem longe da linha de produção, discutindo estratégia, mas divago (nem tanto). 

Para resolver esse tipo de problema, a estratégia da diretoria é falar para a gerência das linhas de produção: controlem bem suas equipes, não pode mais pausar quando quiser, seguem novas regras de pausa e penalidades para quando elas não forem cumpridas. Decidem gastar um dinheirão em ferramentas para que esse controle não seja mais 100% humano e para que a diretoria tenha um super dashboard acompanhando toda a produtividade da corporação em tempo real.  

Aí, a gerência, agora sabendo que toda a diretoria fica vigiando os resultados dele, fica com medo de não conseguir entregar o que eles querem porque, afinal, se a produtividade cair, vai aparecer um popup em vermelho nos dashboards que ficam ligados 24 horas na sede da corporação e no celular de cada diretor. Agora, o papel dele é manter o pessoal na linha para que não fique feio para ele. Então, sua gestão passa a ser terceirizar o medo dele para a equipe dele, fazendo com que todo mundo tenha medo de ser mandado embora a qualquer momento.

Se uma pessoa do time dele está com febre, ele prefere forçar a pessoa a trabalhar ao invés de pedir ajuda para o RH, porque isso é sinal de fraqueza. Cenas como o gerente berrando com pessoas, sendo sarcástico, endeusando as pessoas que mais se sacrificam no trabalho para que todas vejam elas como o exemplo a ser seguido, são cenas comuns. É fictício, mas nem tanto.

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Limites ultrapassados em prol da produtividade

Ano passado, um funcionário de um quiosque Burguer King, no Brasil, fez xixi no próprio quiosque: “se sair, levo advertência, na segunda vez, levo suspensão, e na terceira, levo justa causa”. Uma funcionária de um call center na Espanha infartou na mesa de trabalho e todos tiveram que continuar trabalhando do lado do corpo da colega por que os serviços prestados ali eram “essenciais”. 

Isso tudo tem viralizado e acaba chegando na mesa da diretoria, que tem que emitir um comunicado de repúdio a esses comportamentos sem entender que eles são a origem do porquê que eles acontecem. É o gás que as empresas precisam para investir em tecnologias que automatizem 100% da linha de produção. Não para ajudar a linha a produzir melhor, para ampliar o escopo, para melhorar a qualidade do produto ou serviço. Para tirar os humanos porque é uma dor de cabeça atrás da outra. 

A responsabilidade pode ser ensinada

Nós, como sociedade, educamos nossos filhos para serem adultos responsáveis dentro da lei. Mas, nós, como sociedade corporativa, não educamos o trabalhador para ser responsável dentro da empresa. Partimos do pressuposto de que ele irá tentar prejudicar a empresa e, por isso, impomos uma série de controles, processos e mecanismos de vigilância, para que eles fiquem com medo de prejudicar a empresa.

A responsabilidade civil é compartilhada, todos somos responsáveis por atravessar em cima da faixa. Não é que não há vigilância, há. Não é que não há mecanismos de controle, há. Mas eles são dimensionados de acordo com o nível de litígio da sociedade, países com piores índices de violência possuem uma polícia mais agressiva e vice versa, a principal diferença entre esses países: índice de desenvolvimento humano.  

Se países com mais educação, saúde e distribuição de renda, possuem sociedades menos repressoras, será que empresas com políticas mais claras de remuneração, preocupadas com a saúde física e mental de seus trabalhadores, que investem no desenvolvimento deles, também não tem menor necessidade de controle e vigilância? Pois sim. 

Como controlar sem controlar? | Marina Vaz no Estadão de Minas

Conclusão

Olhando novamente para a linha de produção do Mc Donald’s, em que a pessoa responsável pela montagem do sanduíche saiu e prejudicou toda a linha de produção: se todas as pessoas daquele ambiente são responsáveis pela linha de produção, ele pode pedir para alguém o substituir e vice-versa.

O McDonald’s não precisa nem ficar sabendo, não precisa sequer ter controles, ele precisa acompanhar a produtividade. Se ela cai, a responsabilidade é de todos. Se ela sobe, o mérito também é de todos. Não há a necessidade do “funcionário do mês”, há a necessidade de atender os clientes da melhor forma possível, distribuída entre todos os estágios de produção. Na mesma medida, também há a necessidade de que todos estejam bem para que essa entrega aconteça. E isso significa fazer xixi com tranquilidade, ajudar o amigo a viajar com a família ou a descansar num dia de semana porque ele também te cobre quando você quer ver um cinema.

As pessoas têm a liberdade de agirem como precisarem no individual, e a responsabilidade de entregar no coletivo. Não sei vocês mas, para mim, isso ganha de advertências nas idas ao banheiro.  

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