A cultura organizacional não existe

Não, você não leu errado. A cultura organizacional não existe e eu vou te dizer o porquê: A liderança espera que a diretoria informe que cultura deve ser seguida. Os Valores, a Missão, a Visão, o Manifesto, o Propósito, o Propósito Transformador Massivo, os Acordos, os Combinados, a Essência, qualquer coisa que possa ser colocada em palavras – afinal, como humanos, nos colocamos no mundo pela linguagem, certo?

Também. Mas nós nos colocamos no mundo, antes de tudo, pelo sentir.

A equipe espera que a liderança acolha, compreenda, ouça, oriente, tome decisões, mas sem colocar tanto limite assim. Soft Economy, Soft Skills, Soft Approach, Soft-qualquer-coisa que torne mais suave a dureza de performar todo dia – mesmo com dor, mesmo sem dinheiro, mesmo com o casamento por um fio, mesmo com crianças gritando ao fundo, mesmo com um País (e um planeta) à beira de um colapso.

E, se essa empresa tem a figura “do dono”, lascou-se: espera-se que ele, ou ela, ou eles apontem o leme para algum lado, de preferência, sem muita onda, mais estável, onde possamos respirar com algum alívio (e dar umas risadas, se possível, pelo Zoom ou pelo Meet ou pelo Teams ou pelo Nearby ou pelo Gather ou pelo FaceTime ou pelo amado-odiado Whatsapp nosso de cada dia).

Tá todo mundo certo em esperar algo de alguém que está “em cima”.

E tá todo mundo errado, também.

Porque, se a gente mergulhar um pouco mais fundo, pensa só: a cultura de algum lugar é, tão somente, a soma de todas as coisas que a gente faz conosco e com as pessoas naquele lugar. Que, cada vez mais, é um lugar virtualizado, sem mesa, sem cadeira, sem a obrigatoriedade da convivência 3D (aquela que tem até cheiro, lembra?).

Então, não adianta a diretoria dizer que, aqui, a cultura é colaborativa (Collab, Agile, Hands-on) se você não colabora. Não adianta dizer que resolvemos nossos problemas com diálogo se ninguém tem a capacidade de conversar sem se matar. Ou se levantamos a bandeira da diversidade e da saúde mental, mas todo mundo é branco, CIS, hétero, sem deficiência, jovem, trabalhando 16 horas por dia e se garantindo na medicação tarja preta.

Estatística social é estatística corporativa.

As 18 milhões de pessoas ansiosas que a Organização Mundial da Saúde atribui ao Brasil estão aonde?

Construindo a cultura da empresa, aí do seu ladinho. 

Mas que raios é a cultura organizacional, então?

– o reflexo da cultura vigente na sociedade;

– o resultado da postura que você tem no mundo;

– o produto das relações estabelecidas naquele contexto (principalmente ao resolver conflitos).

É aquele conceito semiótico de que “o todo é maior que a soma das partes”.

Tem vida própria, personalidade própria, voz própria.

Se a sua empresa fosse uma pessoa: como ela seria, em detalhes?

Aí está a sua cultura.

 

Ana Tomazelli é Estrategista de Cultura na Scooto. Executiva em Recursos Humanos há mais de 20 anos, lidera reestruturações de RH dentro e fora do país. Com passagens pela startup B2Mamy, além de empresas tradicionais e consolidadas como UHG-Amil, Solera Holdings, KPMG e Diagnósticos da América S/A (Delboni, Lavoisier), Ana também é fundadora do Ipefem – Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas, uma ONG de educação em saúde mental para mulheres no mercado de trabalho. Psicanalista e Jornalista pela Laureate – Anhembi Morumbi, pós-graduada em Recursos Humanos pela FIA-USP e em Negócios pelo IBMEC-RJ. Mãe do Raphael, de 23 anos, e do Guilherme, de 13, suas principais realizações do currículo. 

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